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Foto: Michael Ochs Archives/Getty Images |
Para o produtor Rodrigo Gorky, o fato de
Anitta e outros artistas pop estarem recorrendo à bossa nova buscando
conquistar o mercado internacional é sinal de força do gênero
brasileiro. “Eles vão atrás disso porque o que o público hoje em dia
quer consumir não é nada mais, nada menos que uma novidade familiar.
Quando a Anitta usou [a melodia de] ‘Garota de Ipanema’, ela fez
exatamente isso e acertou em cheio, porque ela está trazendo algo novo,
mas extremamente familiar”, pontua.
Há
90 anos, em 10 de junho de 1931, nascia, na cidade baiana de Juazeiro, João Gilberto Prado Pereira de
Oliveira, o João Gilberto, que viria a se tornar, anos depois, em um dos maiores expoentes da música brasileira mundo a fora.
Foi no ano de 1958, que João Gilberto viria a lançar aquele é que é considerado o marco fundador da bossa nova: o compacto em 78 rotações de “Chega de saudade”, composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que do outro lado trazia “Bim bom”, do próprio cantor. O canto sussurrado e a batida de violão que sintetizava a batucada do samba tradicional marcaram aquela geração e as seguintes, levando a música brasileira a romper as fronteiras do país e a conquistar o mundo.
“Ele é um divisor de águas. A música
brasileira é uma antes e outra depois dele. Tanto é que dos meus
companheiros de geração, sem exceção, quando você pergunta como começou a
se interessar e a querer fazer música, todo mundo unanimemente diz que
foi muito impactado por ter ouvido o João pela primeira vez”, observa a
cantora, compositora e instrumentista Joyce Moreno, para a CNN.
Ela
pontua que a influência do artista, que morreu em 6 de julho de 2019 no
Rio de Janeiro, desaguou em diversas vertentes musicais, como se fossem
afluentes de um mesmo rio. “Foi uma coisa que realmente marcou todo
mundo, e cada um seguiu seu caminho. Eu segui o meu, os baianos criaram o
Tropicalismo, os mineiros criaram o Clube da Esquina. Tem uma segunda
geração da bossa nova, Marcos Valle, Edu Lobo, Dori Caymmi, Francis
Hime... Para todos nós, todos mesmo, o impacto foi o mesmo”, arrisca.
Gal Costa confirma: “O impacto da bossa nova e, principalmente, de João
Gilberto no meu canto foi radical e transformador. Aquele estilo me
fascinou e mudou meu estilo de cantar”.
Além do talento e ousadia, que o
levaram a realizar uma obra reverenciada no mundo inteiro, João
Gilberto tornou-se uma figura mítica também por sua personalidade. Em
1970, quando passou uma temporada de dois meses no México como
integrante do grupo Luiz Eça & Sagrada Família (do qual também
faziam parte músicos como Naná Vasconcelos e Nelson Angelo), Joyce
conviveu de perto com João, que estava morando no México e volta e meia
aparecia no hotel onde o grupo estava. “Todo mundo ficava apaixonado por
ele. João era uma pessoa hipnótica. Ele era essa pessoa que envolve
tanto você que você acaba ‘virando’ ele, sabe?”, diverte-se ela.
Em 2000, João Gilberto fez o show de reinauguração do Teatro Santa Isabel, no Recife:
Produtor
por trás de sucessos de nomes como Pabllo Vittar, Rodrigo Gorky é
também um ávido colecionador de discos de vinil, e acrescenta que a
bossa nova segue influenciando até a música pop, ainda que de forma
diluída. “Várias das últimas coisas que eu tenho escutado têm muita
coisa de bossa nova envolvida. Que vão nessa mesma pegada que a Anitta
fez em ‘Girl from Rio’”, conta ele, citando o portorriquenho Bad Bunny,
com o sucesso recente “Si veo a tu mamá”, de 2020, e o duo
norte-americano Surfaces, com a música "24 / 7 / 365”, de 2017, que,
assim como a música de Anitta, têm a mesma melodia de “Garota de
Ipanema”, clássico de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. “No caso dessas
músicas, a influência é mais direta, mas nem sempre ela vem direto da
fonte”, diz.
Ele cita, por exemplo, a faixa “Castaways”, do
desenho animado Backyardigans, que se tornou sucesso recentemente nas
redes sociais. “É uma bossinha, e essa música viralizou muito no Tik
Tok. E aí é até legal, que você tem vídeos de pessoas jovens tentando
explicar: ‘Olha, isso aqui vem de bossa nova.' Existem coisas muito
peculiares de bossa nova que são usadas. Não somente para fazer coisas
de bossa, mas também para ir para outros lugares. Tensões, e tudo, mais
com músicas, em qualquer gênero, seja pop, seja... R&B também tem
puxado bastante coisas de bossa”, conta.
Para ele, o fato de
Anitta e outros artistas pop estarem recorrendo à bossa nova buscando
conquistar o mercado internacional é sinal de força do gênero
brasileiro. “Eles vão atrás disso porque o que o público hoje em dia
quer consumir não é nada mais, nada menos que uma novidade familiar.
Quando a Anitta usou [a melodia de] ‘Garota de Ipanema’, ela fez
exatamente isso e acertou em cheio, porque ela está trazendo algo novo,
mas extremamente familiar”, pontua.
Outro acerto do
clipe de “Girl from Rio”, diz o produtor, foi contrapor a imagem representada pelo Brasil
da bossa à do Brasil representado pelo funk, estilo que Anitta cantava
quando começou sua carreira musical. “Quando rolou essa coisa toda da
bossa nova lá fora, tinha uma finesse ali que não traduzia
necessariamente tudo o que acontecia no país. Era uma visão um pouco
mais romântica de tudo, de que é tudo muito bonito, muito belo. Vamos
dizer que é uma visão bem turística, enquanto na realidade a música
brasileira e bem mais caótica do que isso — caótica num sentido bom, de
que é muita informação, muita coisa. É muito mais complexo do que as
pessoas veem. Anitta acertou muito em mostrar que não é só uma coisa”,
argumenta.
O clipe surge em um momento em que muito se critica a
elitização da bossa nova, um movimento capitaneado por jovens brancos
da Zona Sul carioca (embora João Gilberto fosse baiano), com pouco
espaço para mulheres e apagamento de artistas negros que estiveram
presentes desde o surgimento do gênero musical, como Johnny Alf
(considerado por muitos um de seus precursores) e Alaíde Costa.
Se
é urgente a necessidade de apontarmos injustiças e resgatarmos nomes
que sofreram apagamento de sua participação no movimento — Alaíde Costa,
por exemplo, irá realizar um álbum com direção artística de Marcus
Preto e Emicida, que também fará grande parte das letras —, isso não
significa diminuir a importância de nomes como Tom, Vinicius e João
Gilberto. Para Joyce, só há uma definição possível para o “bruxo”:
“Genial. Não tem outra palavra para o João. Genial mesmo. Uma coisa
incrível mesmo”.
A matéria completa pode ser conferida no site da CNN BRASIL.
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